Os destaques pela AIFF:
A AIFF considera que é necessária uma nova abordagem relativamente à gestão, dos incêndios chamados florestais. A nossa base é a floresta, e o (re)conhecimento deste denominador comum uniu-nos ao assumir com o Colégio F3 e com a Casa Civil da Presidência da República o desafio de olhar para os incêndios fora da época de verão e com os atores interessados e conhecedores da matéria. De facto, são empenhados todos os anos avultados recursos humanos e financeiros no combate ao fogo e, em menor medida, na prevenção, deteção e investigação, sem que os resultados obtidos tenham correspondência com o esforço desenvolvido e com a riqueza que se produz a partir da nossa floresta e colocando em risco o seu potencial máximo. Assim, os nossos convidados, entre oradores e participantes, deixaram-nos variados contributos.
De forma sintética e transversal ao seminário defendeu-se que é necessário:
Promover uma maior interação entre as instituições de investigação, a administração pública central e local, a produção e a indústria. Esta interação carece, por razão de forma, de uma eficaz tradução. Tradução do conhecimento e tradução das necessidades, para que se efetive um diálogo e não caiamos na tentação do modelo expositivo e não dinâmico;
Concentrar numa única entidade supraministerial a coordenação operacional de prevenção e de combate, mantendo o planeamento na responsabilidade das entidades que atualmente a detêm, salvaguardando o conhecimento;
Incentivar as Zonas de Intervenção Florestal ou outras formas de gestão agrupada e comercial dos espaços florestais, como sejam as sociedades gestoras florestais, valorizando as intervenções integradas;
Ponderar a criação de incentivos fiscais que promovam a gestão florestal sustentável, o emparcelamento, a regularização da situação predial, o associativismo florestal e a reflorestação de áreas ardidas;
Promover o uso do Fogo Técnico, ao nível da prevenção (fogo controlado), de forma integrada, através de um Programa Nacional de Gestão de Combustível;
Rever a legislação contraordenacional no âmbito florestal, incluindo as penas pecuniárias e acessórias e criando mecanismos que assegurem a eficaz monitorização dos processos;
Criar um Centro de informações policiais sobre crimes relacionados com incêndios;
Intensificar e melhorar a investigação das causas dos incêndios, assegurando a formação contínua dos investigadores e aproveitando os resultados dessa investigação como suporte das campanhas locais de sensibilização, procurando diminuir o número de causa desconhecidas;
Revitalizar as equipas GAUF (Grupos de Análise e Uso do Fogo);
Melhorar o funcionamento da rede de faixas e dos mosaicos de gestão de combustíveis, e da rede nacional de postos de vigia e os seus níveis de deteção, em soluções com vantagem explícita e com boa relação custo / beneficio.
Difundir, no setor, uma base sustentada de informação científica de apoio à decisão operacional;
Estudar e melhorar a estratégia usada no combate a grandes incêndios;
Consolidar a cooperação com as Câmaras Municipais e Forças Armadas para a utilização de máquinas de rastos na abertura de faixas de contenção da propagação do fogo;
Investir meios para que a recuperação dos ecossistemas ocorra de forma adequada ao espaço, sem esquecer a abordagem preventiva de novos potenciais riscos, nomeadamente a proliferação de pragas e doenças;
Reforçar as ações de vigilância pós-fogo e a eficácia das operações de rescaldo.
A AIFF entende que a nova abordagem deve considerar como igualmente prioritários três eixos principais de atuação: prevenção (que atue na redução do número de ignições, na carga combustível existente no território, e no conhecimento dos corredores de incêndios – modelos de propagação), combate (ausência de bombeiros da floresta) e penalização, estando o conhecimento na base das decisões a serem tomadas.
Os destaques pelo Colégio Food, Farming and Forestry (F3) da Universidade de Lisboa:
O fogo rural é entendido como um desafio social que precisa do conhecimento e da ciência para informar políticas públicas e decisões de setores fundamentais da economia consubstanciando características de relevância social, complexidade e transdisciplinaridade. O Colégio F3 responde, assim, ao desafio colocado pela AIFF para o debate e novo olhar sobre o fogo rural nacional. O Colégio F3 sistematiza a sua mensagem em três grandes vetores: o problema, a mudança de atitude, e o instrumento para a sua tão necessária concretização.
O PROBLEMA
O Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (ICNF, GNR e ANPC) sofre de um déficit de conhecimento aos níveis estratégico, tático e operacional que o torna pouco eficaz e pouco eficiente;
Este déficit afeta tanto a dimensão de defesa das pessoas e bens, como a de defesa dos recursos florestais;
A atividade de outros intervenientes fundamentais na questão do fogo rural, tais como empresas privadas, associações de produtores florestais e municípios também sofre com a carência de conhecimento científico e de falta da sua incorporação nas práticas operacionais quotidianas;
Durante o último quarto de século, as Universidades e organismos de investigação portugueses registaram notáveis progressos quantitativos e qualitativos na produção de conhecimento científico sobre uma vasta gama de questões relacionadas com o fogo no espaço rural;
Esse conhecimento não está a ser suficientemente utilizado, por várias razões:
As carências não estão necessariamente reconhecidas e assumidas e, portanto, não geram automaticamente uma procura de conhecimento;
As organizações operacionais não estão bem informadas sobre o conhecimento existente;
Esse conhecimento não está publicado em formatos facilmente interpretáveis por não-cientistas, nem sumarizado de modo adequado para aplicação prática;
As organizações operacionais têm dificuldade em alterar as suas práticas correntes, de modo a incorporar novo conhecimento, quer por falta de “intérpretes” do conhecimento, quer por inércia institucional e resistência à mudança;
A investigação realizada privilegia temas e abordagens escolhidas de acordo com a estrutura de valores e incentivos da comunidade científica, que muitas vezes não coincidem com as necessidades prioritárias dos agentes operacionais.
Estes obstáculos à produção de conhecimento com elevada relevância prática e à sua assimilação pelos agentes operacionais não vão desaparecer espontaneamente.
A MUDANÇA DE ATITUDE
A sua superação requer um relacionamento entre produtores e potenciais consumidores de conhecimento diferente do que vigora atualmente, e que assente na escolha de tópicos de investigação de forma participada, mas dirigida pelas organizações operacionais;
É preciso ouvir os agentes operacionais para desenvolver novas linhas estratégicas e focadas de investigação, que respondam às suas necessidades. É fundamental disponibilizar os resultados científicos após o fim dos projetos, recorrendo a outros instrumentos de comunicação para além da literatura científica, de modo a garantir que os gestores do fogo ficam informados, entendem e estão capacitados para usar a informação na tomada de boas decisões e para implementar novas práticas;
Sumarizando, é essencial produzir conhecimento científico relevante, compreensível e aplicável. A seguir, é preciso monitorizar as consequências da aplicação do conhecimento, avaliá-las criticamente, corrigir erros e aprender com a prática, promovendo melhorias segundo uma espiral de gestão adaptativa.
O INSTRUMENTO PARA A CONCRETIZAR A MUDANÇA
O Centro de Conhecimento do Fogo Rural (CCFR) propõe-se ser uma estrutura para concretizar as novas formas de relacionamento entre produtores e consumidores do conhecimento;
A realização de investigação e integração do conhecimento em parceria com todas as universidades e centros de investigação, empresas, organismos da administração central e local, organizações de produtores florestais e organizações não-governamentais, etc., onde sabemos residir conhecimento;
A prestação de serviços baseados no conhecimento, incluindo a formação técnica;
A produção de documentos de síntese compreensíveis para não-cientistas e vocacionados para apoio à aplicação do conhecimento científico e à tomada de decisões baseada na evidência;
A promoção da incorporação do conhecimento nas práticas operacionais das organizações;
O funcionamento como uma estrutura de apoio à formulação de políticas públicas e um fórum para o seu debate;
A promoção da compreensão pelo público das questões relacionadas com o fogo no espaço rural.
Direção do CCFR deverá incluir representantes de organizações da Academia e dos vários tipos de parceiros operacionais;
Propomos que a atividade do CCFR seja apoiada por orçamento das áreas do sector público com responsabilidades na área, nomeadamente Agricultura e Ordenamento do Território, Administração Interna, Economia e Ambiente, bem como por agentes do sector privado;
Os fundos utilizados pelo CCFR retornarão aos organismos financiadores sob a forma dos produtos e serviços elencados acima;
Propomos que o CCFR, para funcionar como alicerce de conhecimento sobre o qual assentam os pilares da prevenção, deteção e combate, receba uma dotação orçamental anual de cerca de 1% do orçamento do SNDFCI.
No final do seminário, 24 participantes com papel de responsabilidade em diversos sectores relevantes participaram numa sessão de networking sobre gestão de conhecimento do fogo.
Com a coordenação de António Caetano e José Miguel Cardoso Pereira, o debate incidiu sobre o modo como os modelos de gestão do conhecimento são conduzidos e os aspetos críticos para a implementação de políticas públicas.
A utilidade de uma gestão e governação reflexivas do risco, o envolvimento de “cientistas políticos” que se preocupem com a integração e o comprometimento ativo dos vários setores da sociedade, públicos, privados e associativos, e o desenvolvimento de uma melhor organização das estruturas de poder foram as mensagens fortes deixadas ao Centro de Conhecimento do Fogo Rural.